quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Templos africanos pedem socorro

A recente visita da ministra da Cultura Ana de Hollanda a Salvador para oficializar a conclusão das obras realizadas no Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, fundado em 1910 e tombado em 2000 pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), levanta uma discussão em relação aos outros terreiros que também necessitam de atenção do governo. O fato de serem mais novos ou menores, conforme religiosos, não deve ter sua importância minimizada.
O Ministério da Cultura custeou a reforma do terreiro que tem sua história vinculada ao Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho – mais antigo de que se tem notícia e que serviu de modelo para todos os outros. Mas porque não ampliar esse projeto para os demais? Porque não dar uma atenção maior aos religiosos do candomblé que não têm como se manter financeiramente?
Questionamentos como esses se multiplicam entre os religiosos do candomblé. Muitos deles quando ficam doentes, mal conseguem pagar um tratamento de saúde. A alternativa seguida por muitos para conseguir manter a casa é ter uma profissão paralela. Enfermeiros, garçons, médicos, bancários, são algumas das funções desempenhadas por babalorixás e yalorixás que se dividem entre duas funções, uma para garantir o sustento e a outra por amor e pura dedicação e devoção aos Orixás.
Para os Orixás o dinheiro não tem importância, mas os sacerdotes dos templos de matriz africana precisam pagar as contas, comprar remédio, pagar as despesas necessárias da casa. Parte dos gastos é pago por causa da cobrança das consultas, mas todos também sabem que, os Terreiros sérios não deixam de atender a quem não tem como pagar.
“Cuidar melhor de quem a duras penas se dedica à preservação do culto milenar que preserva nossa ancestralidade. Acho válido que seja sim disponibilizada uma renda àqueles que se dedicaram a vida inteira a cultuar os orixás, às folhas sagradas e que atenderam e ainda atendem a quem chega a sua porta, pois essa é a ordem dos Orixás”, pontuou o artista plástico, Octaviano Moniz Barreto Neto, seguidor da religião que por um bom período comprou o remédio de pressão para sua mãe pequena (segunda pessoa depois da mãe de santo).
Insatisfeito com a pouca atenção destinada às casas que não dispõem de tanto prestígio, como as famosas, o artista plástico antes da visita da ministra à capital baiana, havia encaminhado uma carta ao seu Ministério pedindo socorro para o povo de santo. No documento ele narra a história de sua mãe pequena que sofria de hipertensão e não tinha dinheiro para comprar remédio. “Minha mãe pequena morreu há dois anos, aos 90 de idade, eu enquanto pude comprei seu remédio. Ela era a Yakekerê (segunda pessoa depois da Mãe de Santo) e não tinha dinheiro para comprar a medicação”, explicou.
“As casas tradicionais pedem pela consulta o que a pessoa achar que pode dar e isso é tudo. Se for um “pé descalço” não paga nada. Na África o candomblé quase acabou com o crescimento do islamismo e muitos africanos vêm à Bahia se aprofundar na religião. O candomblé é patrimônio imaterial da humanidade, e corre o risco de desaparecer ou apenas as casas que lucram muito vão permanecer”, acrescentou o artista plástico.
No documento enviado à ministra o artista plástico tentou explicar que as religiosas do candomblé são muito pobres e necessitam de ajuda. “Elas precisam de uma assistência maior, assim como os quilombolas, os indígenas. Mãe Stela (minha Mãe) é aposentada como enfermeira e a vida toda se dividiu entre a religião e a profissão, somente depois de aposentada ela pôde realmente se dedicar inteiramente ao candomblé”.
Atendimento à saúde é um problema
O secretário municipal da Reparação, Ailton Ferreira concorda que há pessoas sem recursos nos terreiros e que por isso os religiosos que ocupam altos cargos nos templos deveriam sim ter preferência no atendimento à saúde, na distribuição de remédio e ter liberação oficial dos empregos como acontece com os católicos e evangélicos.
“Penso que os babalorixás e yalorixás enfim, os altos cargos homens e mulheres quando tiverem que cumprir tarefas da religião deveriam ser dispensado do trabalho, porque assim acontece com os padres.
O pastor, o bispo, militares, enfermeiros quando têm atividades a serem desenvolvidas na Igreja são liberados para o exercício do sacerdócio. Os candomblecistas precisam da amizade pessoal com o chefe para conseguir essa liberação. Ao passo que um pastor evangélico se for enfermeiro de um hospital público é liberado oficialmente, o do candomblé não tem que dar um jeitinho”, ressalta o secretário.
Para o babalorixá do Terreiro Ilê Axé Ala Oba Talandê, Pai Anderson, é difícil, mas não tem como fazer diferente, ele que por muitos anos foi bancário sabe muito bem como é a experiência de se dividir entre os atendimentos da Casa e o trabalho no banco. Até que passou a desempenhar as atividades do Fórum de Religiosos de Matriz Africana e palestrar pelo Brasil inteiro, e aí o tempo ficou mais escasso e a coisa ficou mais difícil.
“Manter uma entidade como a nossa é complicado, tenho 20 pessoas trabalhando comigo e todas elas dependem de mim. Por mais que para os Orixás o dinheiro não tenha importância precisamos pagar as contas, temos que nos adequar à modernidade que o mundo atual exige e isso tudo tem um gasto. Infelizmente o governo quando disponibiliza uma ajuda não pensa por escala de necessidade e sim por status.
Nada contra a verba recebida pelo Ilê Axé Opô Afonjá, foi merecida, afinal trata-se de um terreiro muito importante, é o mais antigo, mas isso não quer dizer que os outros também não tenham importância ou que não sejam dignos de receber algum tipo de ajuda”, enfatizou o babalorixá do terreiro localizado em Lauro de Freitas.
Ainda falando de gastos, o babalorixá que corre o Brasil inteiro palestrando sobre a intolerância religiosa, destaca a prática de empresas do setor de turismo que levam Vans lotadas de turistas para as festas dos terreiros. Lá os visitantes chegam cedo e participam de todas as refeições servidas nos terreiros, de graça. “Quem chega à nossa casa tem que comer e beber de tudo que for servido, mas as agências lucram com a visita, menos nós.
Acho interessante que venham conhecer nossa história, que participem das festas e desmistifiquem a idéia equivocada ainda impregnada nas pessoas, mas tem gente ganhando demais em nosso nome. Eu já vi agências oferecendo a visita e buffet típico nos terreiros, mas não ajudam em absolutamente nada. Fica tudo por conta do dono do terreiro”, assinalou.

Maria Rocha - Tribuna da Bahia

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