terça-feira, 20 de novembro de 2012

Dia da Consciência Negra lembra que ainda há exclusão e pobreza no Brasil


“Já conquistamos muitas coisas, mas ainda falta a igualdade de fato. Ainda permanece a cultura racista que hierarquiza pessoas. O Brasil não trata igualmente o seu povo. O negro ainda é suspeito, mais pobre, faz o serviço pesado e é naturalmente excluído. Morrem dezenas de jovens negros por semana e a sociedade acha normal. Eu, secretário, ainda tenho que me justificar em alguns lugares por onde circulo”.

A afirmação é do secretário municipal da Reparação, Ailton Ferreira, em entrevista exclusiva à Tribuna da Bahia. Confira seus pensamentos:

Tribuna da Bahia - Secretário, o que representa o 20 de novembro para a população negra do país?

Ailton Ferreira - O 20 de Novembro é uma data referência conquistada pelo Movimento Negro, independente das elites brasileiras, é o contraponto construído pelo povo negro contra o acomodado 13 de maio e contra o mito da democracia racial. Foi o marco para dizer ao País que existe uma exclusão e pobreza ditadas pela cor da pele e origem.

TB - Poderia fazer um paralelo entre o 13 de maio, dia da Abolição da Escravatura e o 20 de novembro, dia da morte do líder Zumbi dos Palmares? Qual a importância das duas datas para o país? Das duas qual a de maior significado?

AF - A diferença do 13 de maio para o 20 de novembro está para além da cronologia histórica. O 20 reconhece e afirma o heroísmo negro de Zumbi dos Palmares, o 13 de maio protagoniza a princesa Isabel e retira o conteúdo político das lutas de libertação abolicionista. O 13 não explica o 14, a Lei Áurea não determinou um novo pacto social para os escravizados que sofreram a escravidão oficial praticada pelo estado brasileiro durante 350 anos, foram mais de três séculos para dois artigos da Lei Áurea que não produziu a igualdade entre as pessoas.

TB - Sobre o sistema de cotas para negros, existem tantas críticas em relação a isto. O senhor poderia explicar a importância disto para os jovens negros?

AF - O Brasil sempre teve cotas para brancos ocuparem os postos de comando, as gerências das grandes empresas e os cargos de poder do estado.  As universidades sempre foram brancas e ninguém se importava com isso. Os partidos sempre foram dirigidos por brancos e isso era normal. Carregar peso, ser pobre e ser comandado era o lugar normal do negro.

Quando se quer mudar isso, há uma resistência, a elite não quer perder o seu lugar garantido pela história. Quando os imigrantes europeus chegaram tiveram cotas de incentivos, terras, implementos agrícolas e por isso o Sul e o Sudeste ficaram ricos e o Norte e o Nordeste ficaram pobres.

Os brancos tiveram todo o apoio e oportunidades, enquanto os negros começaram do nada, sem cidadania, sem créditos bancários, começaram pobres, porque eram pretos. A escravidão deixou sequelas e correntes invisíveis nas mentalidades de todos: negros e brancos, ou não negros. Uns empurrados para baixo em sua autoestima e outros empurrados para baixo. 

Hierarquicamente criou-se um povo de primeira e outro de segunda, um para mandar e outro para obedecer. Mudar essa lógica requer luta e paciência, requer um novo olhar das pessoas diante das outras. Reeducar a sociedade e inverter a lógica do estado e das suas instituições que ainda não aprenderam a lidar com a diversidade.

As cotas são parte da dívida, as políticas afirmativas são o reconhecimento brasileiro de que falta zerar o jogo para começar a jogar. O time dos negros começou jogando com menos jogadores e com a bola quadrada. Queremos 11 jogando em todos os times e com a bola redonda para todos. Os negros começaram a correr de fusca contra as MacLarens. Queremos macLarens para todos.

A sociedade brasileira fica indignada quando tem caos no aeroporto, quando falta avião cai até ministro, mas nos acostumamos a ver faltar médico e professores e não acontece nada, nenhuma indignação, porque é normal e nós sabemos quem sofre com isso, que cor tem essas pessoas que ficam sem atendimento e sabemos a cor das pessoas que frequentam aeroportos na sua maioria. 

Tribuna da Bahia, 20 de novembro de 2012

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