segunda-feira, 21 de maio de 2012

Resposta ao artigo da ex-deputada Sandra Cavalcanti

Os pobres aos quais ela se refere,  é maioria negra, portanto as cotas e demais políticas afirmativas atendem a demanda pelo critério da pobreza. Ademais, ela demostra desconhecimento do assunto e escreve com referenciais já superados. Houve uma época em que esse discurso que a Senhora Sandra apresenta agora, em 2012, era corrente, mas atualmente, já está explicado: a escravidão por mais de trezentos e cinquenta anos produziu desigualdades e adoeceu a sociedade brasileira, hierarquizando grupos humanos e as suas culturas em pessoas de primeira e pessoas de segunda grandeza. Nós, negros, estivemos na segunda classificação. O Estado brasileiro não foi concebido para a comunidade negra, não reconheceu a diversidade da sua população e não reconheceu de forma legítima e correta a contribuição civilizatória dos negros e indígenas. Nós, os negros, iniciamos no marco zero: sem heranças, sem terras, sem documentos, sem cidadania. O Brasil passou uma grande parte da sua história alimentado pela ideologia do embranquecimento ou do branqueamento, que considerava que um País de pretos não seria desenvolvido e não seria uma potência. Nos empurraram para baixo até onde deu. 

A nossa tarefa agora é desconstruir a lógica que orientou a gênese do estado, a lógica que orientou a formação da sociedade brasileira, que legitimou a criação de uma sociedade com dois tipos de gente: um tipo para mandar e ser obedecida, e, outro tipo de gente, para obedecer e somente obedecer. A Senhora Sandra peca por ignorância sobre a história ou faz parte do grupo que se sente ameaçado a ter que obedecer os rumos da nova dinâmica social brasileira. Tem gente que não sabe o que fazer quando a empregada doméstica falta ao trabalho. Está na hora dessa gente aprender a limpar os seus banheiros e encontrar o seu coador de café.

Eu também estudei em escola pública, o meu querido Colégio Estadual Duque de Caxias, no bairro da Liberdade em Salvador, também convivi com alunos de todas as cores e credos, com filhos de professores e petroleiros, com filhos de comerciantes ricos e colegas pobres. Mas essa questão é outra, relacionada com o poder da escola pública, com o prestígio e a qualidade da escola pública. Quando o nível da escola pública caiu, quando ela perdeu o prestígio social, as suas novas turmas deixaram de ter alunos de todas as cores e classes sociais, os alunos negros perderam os colegas brancos. A classe média, como sempre, vestiu a velha roupa de sapo e deu os seus pulos, migrando para as escolas particulares de boa qualidade. Os intelectuais que queriam mudar a escola, revolucionar a educação passando por experimentalismos diversos, mudando a abordagem pedagógica para enfrentar a orientação dos governos militares, não concluíram as mudanças. Saímos de uma escola tida como ruim, posto que reproduzia o militarismo, mas não conseguimos chegar na escola ideal, aquela idealizada ótima dos sonhos revolucionários. Com a migração da classe média para as escolas particulares de qualidade, as propostas construtivistas e outras com novas abordagens pedagógicas, foram aperfeiçoadas e aplicadas nas novas escolas experimentais particulares no início da década  de oitenta. O resultado todos já conhecemos, exceto a Sra. Sandra,  os pobres e mais pobres, quase todos pretos, ficaram na escola pública desprestigiada, vilipendiada com os arranjos realizados nas suas grades curriculares, das quais foram retiradas as disciplinas de química, física e biologia, retirando dos seus pobres alunos aquele gostinho de serem aprovados nas universidades federais. Lembro ainda de quantos vizinhos meus de rua passaram nos vestibulares e da alegria de vermos os nossos vizinhos queridos com as tradicionais boinas coloridas cobrindo as suas jovens cabeças raspadas. A nova escola pública que pretendeu formar técnicos profissionais, não formava técnicos e nem aprovava no vestibular. Os CIENAS de então, foram vitoriosos na sanha da elite brasileira em retirar os pobres da concorrência universitária.

Então, não cabe comparar as escolas e os seus alunos de quarenta, cinquenta anos passados, com as escolas de hoje, muito menos, usá-las como parâmetros para avaliar as políticas de cotas tão bem introduzidas no Brasil, de sempre racializado e hierarquizado. Agora, muitas pessoas dizem somente exestir uma raça humana, nós do movimento negro brasileiro também falávamos isso muito antes, na luta pela igualdade e dignidade. Essas pessoas querem esconder que dentro da nossa RAÇA HUMANA, alguns tipos receberam uma ferrari para a corrida da vida, e outros tipos não receberam nem um carrinho velho, nem o direito ao ônibus. Tem gente que não suporta ver um negão, uma negona numa ferrari, mas vão ter que se acostumar. A vitória do povo negro é irreversível e com ela ganhará toda a sociedade brasileira formada de gente de todas as cores e que aprenderá a ser mais feliz, mais inteira enquanto nação.

2 comentários:

JUSTIÇA disse...

Prezado Ailton Ferreira
Parabéns pela conquista das cotas raciais aos negros pobres, pois nem todos os negros são pobres e tem negro, ainda que poucos, se vangloriando com as cotas, se lambuzando na mesma lama que os brancos até agora. Lendo teu comentário sobre o que disse Sandra Cavalcanti anos atrás, identifiquei em teu excelente texto ao menos duas frases que denotam que tu também concorda que nem todos os negros são pobres, mas que também existem brancos pobres:

1. [...] Os pobres aos quais ela se refere, é maioria negra,{...]

Exatamente Ailton, a maioria é negra, mas nem todos os pobres são negros. Correto?

2. [...] os pobres e mais pobres, quase todos pretos, ficaram na escola pública desprestigiada,[...]
Igualmete exato,pois também ficaram brancos pobres nestas escolas públicas.
Sabia que tem negro que a mãe fez faxina em escola particular para manter nela seu filho? E por causa desse sacrifício seu filho não tem direitos às cotas, afinal estudou em escola particular.
Conclusão:
Caso as cotas fossem sociais, atenderia todos os negros pobres, e brancos pobres, e índios (quase todos pobres, sim quase todos os índios, porque tem índios que possuem até avião e são madeireiros etc. Toda regra tem excessão e agora não me venha dizer que a culpa é dos brancos apenas. Não te disseram qual a cor da pele daqueles que caçavam negros na África para entregar aos comerciantes escravagistas no litoral? Se até agora os brancos faziam os negros de escravos, agora é hora de virar o jogo e fazer o mesmo? Pagar com a mesma moeda?
É triste viver num país onde fazemos aquilo que não queremos que nos façam!

JUSTIÇA disse...

Esqueci de assinar;
david