quarta-feira, 16 de março de 2011

O gigolô dos negros

por Jorge Portugal
O Estado da Bahia é um histórico gigolô dos negros. O Estado inteiro e, principalmente, sua capital sempre se venderam ao resto do País e ao exterior pela pujança cultural de sua matriz africana. Alguém pode argumentar que na região do semiárido não é tanto assim, que no sertão há uma esmaecida presença do negro e que tudo isso é Bahia também. Mas eu respondo, lembrando que ainda não é pelos belos repentes sertanejos que o mundo se curva à musicalidade brasileira e sim pelo samba e suas variáveis, pelas canções de Caymmi e pelo canto de João. Durante 350 anos, a preguiça do explorador eurodescendente foi garantida pelos braços escravos dos negros na lavoura, na cozinha e nas construções. O azulejo era português, o desenho arquitetônico, às vezes também, mas o suor era negro, o trabalho braçal tinha cor.

Na culinária, não é a rapadura e a carnede-sol (deliciosas!) que seduzem paladares extra-Bahia. É o acarajé, o caruru, o vatapá, enfim, as comidas de orixás, carregadas de cultura no seu tempero e tecnologia negra no seu preparo. Na expressão corporal, a capoeira, espalhada pelo mundo, faz mais pela difusão da língua portuguesa do que todas as embaixadas brasileiras reunidas no planeta. Na literatura, sobretudo a literatura de Jorge e João Ubaldo, são figuras como Gabriela, Pedro Arcanjo, Nego Leléu, Tieta, Maria da Fé, que incendeiam o imaginário dos leitores do mundo e fixam a poesia e a luta de tantos iguais, de carne e osso, que aqui vivem numa sanha sem trégua para conquistar dignidade e respeito.

Enfim, estamos em um Estado (e uma cidade) que deve tudo o que move sua história, economia e cultura ao povo negro e suas invenções geniais. Não importa que a pele da cantora seja mais clara e o seu trio elétrico high-tec. A música que anima o Carnaval e que garante o seu estrondoso sucesso foi composta por um negro. Que continua anônimo, por sinal. Então, cara-pálida, quem é você para querer desancar Márcio Vítor em sua própria casa e Carnaval? Respeite-o e respeite a história desse povo que trabalha sem férias há 500 anos para que você e assemelhados possam “brincar de ser brancos” na Bahia.

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