sexta-feira, 5 de março de 2010

Exclusão social e discriminação dominam debate no Olhares sobre o Carnaval

Estudantes de Administração, Direito, Engenharia Elétrica, Jornalismo e Propaganda & Marketing, além de professores e visitantes, lotaram a Capela da Faculdade 2 de Julho nesta segunda-feira, 1º de março, prestigiando a quarta edição do Seminário “Olhares sobre o Carnaval”, que teve como tema “O consumo e o desrespeito aos direitos humanos”.

O diretor geral da Faculdade 2 de Julho, professor Josué Mello, fez a apresentação do Seminário abordando “Direitos Humanos”. Ele lembrou que este é o grande tema da Instituição 2 de Julho em 2010, ano em que a Faculdade comemora uma década de existência.
Como tem acontecido nas edições anteriores, a polêmica e a provocação mais uma vez esteve presente na mensagem dos convidados. “Nos últimos 10 anos cresce a sensação de que o baiano abre mão da sua condição de cidadão em prol do turismo. E, principalmente, no Carnaval, torna-se cada vez mais comum o soteropolitano ceder seu espaço para os turistas”, afirmou a advogada Cristiana Santos, superintendente do PROCON-BA.
De acordo com ela, o Carnaval transformou-se numa indústria privada e, neste contexto, os espaços públicos também foram “privatizados” - quem não tem condições financeiras é sumariamente excluído. “O poder do consumo avançou sobre os direitos sociais numa inversão de valores incontrolável. Temos o direito de sermos respeitados pela nossa cidadania e transitarmos pela nossa cidade o ano inteiro”, defendeu Cristiana.
A advogada questionou o alto investimento público com obras que visam somente o conforto do turista que, cada vez mais, se sente no direito de até mesmo selecionar quem poderá frequentar o ambiente pelo qual ele pagou. “Lembro-me de uma queixa no PROCON de foliões que queriam denunciar um bloco porque tiveram que dividir o mesmo espaço com um casal de homossexuais. Eles alegaram constrangimento”, comentou.
Em sua apresentação, Cristiana Santos relembrou a trajetória do capitalismo e afirmou que a produção e a publicidade em massa levaram também ao dano em larga escala. A palestrante levantou uma questão preocupante sobre os cordeiros e o absurdo de ter que se assegurarem, através da criação de um Estatuto, os direitos deste trabalhador a receber, além de R$ 27 pelo trabalho, água, luvas, tampão de ouvido e sapatos. “É uma semiescravidão”, pontuou.
“Este fato é do conhecimento de todos, mas as pessoas não dão importância porque, no inconsciente coletivo, acredita-se que o cordeiro também brinca Carnaval, apesar de estar na linha de frente e impedindo, à custa de muita força, o seu povo de adentrar o local reservado aos pagantes”, disse. Para ela, apesar de todo o esforço físico dos cordeiros para manter certa ordem, nos enfrentamentos entre pipoca e polícia, quase sempre acaba sobrando o pior para eles.
Sobre esse assunto, o professor Ailton Ferreira, titular da Secretaria Municipal da Reparação de Salvador (SEMUR), manifestou-se com os dados do Observatório da Discriminação Racial, Violência contra a Mulher e Homofobia, coordenado pela SEMUR, e afirmou que neste Carnaval foram registrados 200 casos de cordeiros sem luvas, água etc., entre eles algumas mulheres grávidas e outras cansadas pela quantidade de varizes nas pernas. “Estas pessoas, geralmente, não reclamam seus direitos porque precisam dos R$ 27”, disse.
Neste momento, a mediadora Cássia Carneiro, coordenadora do Curso de Direito da Faculdade 2 de Julho, abordou uma outra questão muito presente no Carnaval - a exploração sexual e violência contra a mulher. Ela falou sobre a relevância da proteção dos direitos e da solidariedade, praticamente extintos, e passou a palavra ao Secretário Municipal da Reparação.
Ailton Ferreira manifestou sua alegria em estar na Faculdade 2 de Julho para tratar sobre um assunto tão importante e relembrou a tradição desta instituição no combate à repressão e na luta pela democracia conduzida pelo Colégio 2 de Julho.
“Não somos uma sociedade boazinha. Ao contrário, somos racistas, sexistas e homofóbicos o ano inteiro e não seria no Carnaval, este curto espaço de tempo, que mudaríamos isso. Nesta época apenas se tornam mais evidentes nossas atitudes porque fica uma sensação de que tudo é permitido”, polemizou, logo de início. Ele enfatizou o fato de alguns homens se sentirem no direito de agarrar as mulheres desacompanhadas dentro e fora dos blocos e que a recusa por parte delas pode até mesmo resultar em espancamento, fato presenciado por ele e registrado pelo Observatório.
O secretário esclareceu que nossa sociedade é construída sobre muitas desigualdades e é por isso que o negro, ao alcançar ascensão social ou profissional, é discriminado, muitas vezes, pelos próprios negros. Ele exemplificou sua afirmação com uma cena que ilustra bem esta discriminação, durante um evento, em que alguns membros do Governo, em comitiva a Salvador, passaram com os carros oficiais em frente à “Cruz Caída” causando transtornos no trânsito: “Presenciei um guardador de carros comentando com um colega – ‘Rapaz, um monte de negão naqueles carros parecendo até branco’”.
Ferreira lembrou com saudades dos tempos em que se brincava nos clubes, que eram os melhores lugares, porque o Carnaval de rua era conhecido como o espaço da vadiagem. “Como o Poder Público capitaliza tudo que o povo inventa e dá certo, ele também se apropriou da festa de rua e hoje esse é o tipo de Carnaval mais atraente para sociedade de consumo. É preciso mudar este modelo, garantindo o acesso do cidadão menos favorecido economicamente”, justificou.
O secretário afirmou que o Carnaval vem perdendo espontaneidade e a franquia continua a ser vendida mesmo depois que a festa acaba. “E o que se divulga é a imagem de trios com reis e rainhas do Carnaval, cantores brancos, foliões brancos e trabalhadores negros para servir aos turistas, em sua maioria, brancos. É preciso definir qual o lugar dos negros e negras desta cidade na indústria do Carnaval. Faz-se urgente uma discussão sobre os direitos que garantem o bem estar do cidadão baiano neste ambiente de trabalho”, concluiu.
Vários assuntos importantes – sexualidade, sensualidade, Mudança do Garcia, privatização total do Circuito – também foram discutidos e ao final a plateia pode esclarecer possíveis dúvidas e enriquecer o debate com questionamentos relevantes. Quem esteve na capela da Faculdade 2 de Julho nesta segunda–feira certamente saiu de lá com a certeza de ter presenciado um desses acontecimentos marcantes que merecem ser lembrados.

Fonte: Site da Faculdade 2 de Julho

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